Traduzido do site Los Angeles Times: O restaurante fictício da Times Square no centro de "La Cocina", do roteirista e diretor mexicano Alonso Ruizpalacios, uma releitura em preto e branco da peça "The Kitchen", de 1957, do autor britânico Arnold Wesker.

Quase 70 anos após suas apresentações iniciais, o alerta do drama sobre priorizar a produtividade acima da humanidade permanece desanimadoramente relevante em nossa atual realidade viciosa. Nos cinemas na sexta-feira, "La Cocina" captura a camaradagem superficial forjada em empregos de alta pressão, onde as pessoas confiam umas nas outras para sobreviver ao dia, bem como a dinâmica do poder em um sistema econômico que prospera na exploração dos mais vulneráveis - os invisíveis.

Ambientado em uma cidade de Nova York atemporal (cabines telefônicas e computadores antigos coexistem ao lado de referências mais modernas), a adaptação de Ruizpalacios transforma o protagonista, Peter, um alemão na era pós-Segunda Guerra Mundial, em Pedro (Raúl Briones), um imigrante mexicano de Puebla movido a raiva. Sua personalidade impetuosa lhe rendeu o respeito e o desprezo de seus colegas de trabalho em medidas iguais.

Quando o dinheiro do caixa desaparece, Pedro se torna o principal suspeito. O valor curiosamente corresponde ao custo exato do aborto que ele relutantemente concorda em pagar quando sua namorada garçonete, Julia (Rooney Mara), revela que está grávida.

Uma investigação começa em meio às catástrofes diárias típicas de qualquer ambiente intenso de serviço de alimentação (perda de temperamento, choro de frustração). Aqui os fortes abusam dos fracos. É um microcosmo do mundo e de seus vícios, e não apenas porque os sons de várias línguas permeiam as premissas fumegantes.

Ruizpalacios leu "The Kitchen" pela primeira vez enquanto estudava atuação em Londres nos anos 2000. Na época, ele trabalhava no kitsch Rainforest Cafe em Piccadilly Circus - um restaurante temático agora extinto com animais animatrônicos - para ajudar a pagar suas mensalidades. Seu fascínio por cozinhas e seus ritmos vieram dessa experiência em primeira mão.

Daqueles dias, Ruizpalacios se lembra de uma colega de trabalho franco-argelina chamada Samira, a única mulher na cozinha e uma figura maternal dura e salgada. Um personagem diretamente inspirado em Samira (e batizado em sua homenagem) aparece em "La Cocina".

"Ela era muito exigente e não aceitava, mas quando batia no ventilador, ela era a única pessoa a ajudá-lo", lembra Ruizpalacios, falando pelo Zoom de sua casa na Cidade do México. "Ela sempre dizia: 'Vamos, mexicano, vamos. Onde você está?'"

Sem nenhuma conexão com Rooney Mara, mas com a convicção de que ela seria ideal para o papel de Julia, um ousado Ruizpalacios escreveu-lhe uma carta detalhando por que ela deveria se arriscar e ir até a Cidade do México para fazer um filme independente com um grupo de atores desconhecidos.

"Pedro vê Julia como uma espécie de estrela de cinema", diz Ruizpalacios. "Eu sabia que escalar alguém como Rooney, que é bem conhecido e tem aquela aura de estrela de cinema, aumentaria o relacionamento." Foi a justaposição da virada potente e vigorosa de Mara em "Millennium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres" e a fragilidade sutil que ela exalava em "Carol" que confirmou sua admiração por suas performances.

Para sua surpresa, Mara respondeu positivamente à sua "mensagem em uma garrafa no mar".

"Eu li algumas delas e é sempre muito bom receber uma carta como essa, mas eu não diria que elas são sempre necessariamente muito eficazes", Mara disse em uma videochamada de sua casa em Los Angeles, vestida com uma camiseta cinza lisa com o cabelo preso em um meio rabo de cavalo. "Mas havia algo poético em sua carta que realmente me tocou e me deixou muito curiosa sobre ele e sobre seu roteiro."

Mara solicitou os filmes anteriores de Ruizpalacios (ele enviou a ela seus dois aclamados avanços ambientados na Cidade do México, a comédia dramática de amadurecimento de 2014 "Güeros" e o filme de assalto de 2018 "Museo"), e logo depois ela concordou em estrelar "La Cocina".

"Meu tempo é muito precioso agora que tenho filhos", diz Mara. "Para mim agora, a experiência é muito importante. Eu fico tipo: isso vai valer a pena? É algo que eu posso crescer? E tudo sobre a maneira como Alonso queria fazer o filme para mim era como, 'Sim, esta é uma experiência que eu gostaria de ter'. Parecia diferente de tudo que eu tinha feito até agora."


Em 2010, Ruizpalacios dirigiu uma versão teatral de "The Kitchen". Raúl Briones, então aluno dos cursos de atuação de Ruizpalacios, teve um papel muito menor como o dono de restaurante imigrante exigindo seus fundos perdidos e, mais tarde, como um que vagueia pela cozinha. "Pedro existe entre esses dois arquétipos: o imigrante que fez isso e o pária", diz o ator ao telefone da Cidade do México. Ele está lutando para ser o mestre de sua própria vida."

Mas apesar de ter trabalhado com Briones ao longo dos anos, inclusive em seu filme anterior, a docuficção de 2021 "A Cop Movie", o diretor não escalou imediatamente o ator como Pedro. Sua hesitação veio de saber que Briones não falava inglês, um requisito para o papel.

"Uma de suas maiores qualidades como ator é sua disciplina", diz Ruizpalacios sobre Briones.

O ator aprendeu a língua estrangeira bem o suficiente para se manter em várias cenas com Mara em apenas três meses. "Eu desafiaria qualquer um a dominar outro idioma naquela época e se sentir confortável o suficiente para atuar nele", diz Ruizpalacios sobre o compromisso de seu protagonista.

Para Briones, aprender inglês - mesmo na capacidade limitada do filme - teve um efeito empoderador. No México, quem cresce frequentando escolas públicas, como foi o caso dele, não tem acesso a uma educação bilíngue. Por muito tempo, Briones se recusou a falar ou aprender a língua como um mecanismo de autodefesa contra a zombaria que experimentava dos outros.

"Pedro tem sido um ótimo professor para mim", diz Briones sobre seu personagem bilíngue que pode se defender. "A obsessão de Pedro em falar inglês tem uma razão de sobrevivência, e minha decisão de não falar também." Quando teve a oportunidade de interpretar o papel principal, Briones adotou uma abordagem mais técnica para aprender inglês com a ajuda da colega atriz de "La Cocina" María Fernanda Bosque, que atuou como sua treinadora improvisada.

Os exteriores de "La Cocina" foram filmados em locações na cidade de Nova York (ao redor da Times Square, incluindo o Junior's Restaurant & Bakery como a frente do Grill), mas para a cozinha em si, Ruizpalacios queria brincar em sua casa. O diretor há muito sonhava em trabalhar nos famosos Estudios Churubusco da Cidade do México, os estúdios de som onde muitos clássicos da Era de Ouro do cinema nacional foram feitos. Isso também permitiu mais controle sobre o design da cozinha.

"As cozinhas são muito parecidas com um navio pirata e a maneira como projetamos e concebemos nossa cozinha também foi como um submarino", diz Ruizpalacios. E como as cozinhas tendem a ser espaços dominados por homens, o diretor contratou um coro tradicional galês masculino para cantar a letra da música mexicana "Un Puño de Tierra" (Por um punhado de terra) traduzida para o galês em cima da música do compositor Tomás Barreiro. As letras existencialistas falam sobre a futilidade das buscas materiais.

A faixa toca durante os momentos mais emocionalmente carregados de Pedro: quando ele olha para as fotos de sua família (são fotos da infância real de Briones) e quando ele liga para sua mãe de volta para casa (a pessoa que responde é a própria mãe de Briones).

"Essa música se tornou o coração pulsante do filme", diz Ruizpalacios.

Para o processo de ensaio, Ruizpalacios reuniu seu elenco, com exceção de Mara, na Cidade do México por um mês. De manhã, todos tinham aulas de culinária e à tarde participavam de exercícios de improvisação para construir um relacionamento natural. Embora ela se arrependa de ter perdido, Mara acredita que, em última análise, estar ausente da preparação pessoal se alinhou com a posição de sua personagem como uma estranha.

"Quando você se torna mãe, há uma parte despreocupada de sua vida que não existe mais", diz Mara. "Minha personagem é uma mãe, e é isso que a separa de seus colegas de trabalho."

Com o tempo, priorizar seus filhos tornou a própria Mara cada vez mais seletiva. "Há momentos em que tomei decisões e fiz coisas que provavelmente não deveria", diz Mara. "[Há] um momento em sua vida em que você só quer trabalhar porque não quer estar em sua vida. E então, nos últimos seis anos, quase não trabalhei. Eu fiz, tipo, duas coisas." (Essas duas coisas foram "O Beco do Pesadelo", de Guillermo del Toro, e "Entre Mulheres", de Sarah Polley. Mara sabe como colhê-los.)

"La Cocina" provou ser uma fuga revigorante para ela. Uma das sequências mais tecnicamente surpreendentes ocorre durante a hora do almoço. A cozinha se transforma em um hospício com cozinheiros trabalhando e garçonetes lutando para fazer seus pedidos primeiro, enquanto o chão é inundado de refrigerante.

"Filmamos ao longo de vários dias e era muito parecido com uma dança coreografada", lembra Mara. "Eu realmente não fiz teatro de verdade quando adulta, mas parecia muito próximo disso porque estávamos fazendo essas tomadas longas e completas e havia muita energia."

A sequência surgiu de uma das memórias pessoais de Ruizpalacios. Na véspera de Natal na cidade de Nova York, há 13 anos, o diretor e sua esposa, a atriz Ilse Salas, visitaram um multiplex da Times Square. Ao comprar concessões, ele percebeu que o tapete estava encharcado. O líquido vinha de uma máquina de Coca-Cola Cherry quebrada "derramando como uma fonte sem fim", lembra ele, como se viesse do "centro da Terra".

"Ninguém prestou atenção nisso", lembra ele. "Continuou derramando e inundando todo o lugar. E as pessoas continuaram trabalhando, ignorando. Eu pensei que essa era a imagem perfeita do capitalismo tardio. O casal assistiu "Millennium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres", estrelado por Mara. "Eu disse à minha esposa: 'Um dia vou trabalhar com ela', então este filme fechou esse círculo."

Com a ajuda da Coalizão Mexicana, uma organização que apoia famílias de imigrantes, Ruizpalacios entrevistou vários trabalhadores de cozinha indocumentados na cidade de Nova York sobre suas experiências diárias. Essas interações foram essenciais para seu processo de pesquisa e escrita. "Ao ouvi-los, você percebe que ninguém nunca perguntou sobre sua história", diz Ruizpalacios.

"Os mexicanos são considerados grandes trabalhadores em todo o mundo e isso é muito positivo, mas também se deve ao fato de sermos obedientes e sermos obedientes é muito conveniente para o sistema", diz Briones. "Pedro não é obediente. A desobediência é revolucionária."

Para o lançamento de "La Cocina" nos EUA, a distribuidora Willa fez parceria com o One Fair Wage, um grupo de defesa dos trabalhadores de restaurantes, para apresentar uma série de exibições e eventos. Recentemente, uma apresentação de vídeo com clipes do filme com imagens documentais de funcionários de restaurantes de Nova York foi exibida no enorme outdoor curvo da NASDAQ na Times Square. Ruizpalacios sempre teve esse tipo de visibilidade em mente para os homens e mulheres que sacrificam seu bem-estar físico e mental para fornecer um serviço que a maioria considera garantido.

"Em 'La Cocina' não nos importamos com os clientes", diz ele. "Desta vez, eles são os extras. Esse é o objetivo do filme."


Fotos: Marcus Ubungen / Los Angeles Times)